Vento Sul, Patagônia, Argentina

Essas fotos foram tiradas durante a viagem que fizemos, eu e o Gabriel, no início do ano, pelo Sul da Argentina, Patagônia. Meu marido quis encontrar um velho amigo desconhecido, que era até então virtual, há mais de 5 anos, o Carlitos. Foram poucos dias na Patagônia, mas fizemos tantas coisas que jamais faríamos em outro lugar, ou em outra viagem, que a sensação é de que passamos o dobro do tempo lá. 

Carlitos é assador, entre tantos outros talentos, e nos recebeu com um cordeiro patagônico espetado na cruz a la Francis Mallmann, ao ar livre, sob o vento gelado sul. Seu jeito de assar, é quase uma guerra entre o vento e o fogo, com chapas de aço para proteger o assado da chuva e do frio. Eu quis registrar tudo, filmei e fotografei, me sentindo uma fotojornalista numa emboscada no meio do deserto, tentando controlar a câmera sob a ventania, clicando o que consegui - o fogo, o vento, as faíscas - feito uma louca despenteada.

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O primeiro choque do roteiro, foi deixar a cidade de Córdoba e BsAires em seus pulsantes 39 graus, para encarar o frio gelado de Rio Gallegos seguido por El Calafate e El Chaitén. O itinerário, montado por Carlitos, contava com caminhadas, museus, trilhas, paisagens estonteantes. Sedentários convictos, eu e o Gabriel, percorremos uma trilha de 10 horas, para testemunhar lugares onde, como dizem por lá, "deus descansa e lava suas mãos". Escutamos histórias e lendas indígenas. vimos condores sobrevoando o céu azul, pica-paus recortando árvores centenárias retorcidas pelo tempo.

Na primeira cidade, onde mora Carlitos, além de comer o assado perfeito, passeamos por cafés e museus de cultura local e tehuelche. Estivemos bem acompanhados, sob risadas de gallegos argentinos, de vida tranquila, siestas, mates, vinhos e puchos, cheiro de caldo, calefacción a 9 graus.

Para viajar de Río Gallegos ao Calafate, chegamos a acordar às 2h da manhã. Neve na estrada, vento frio. A gente costuma dizer, eu e o meu companheiro, que somos os piores turistas do mundo. Deixamos para programar tudo de última hora e, geralmente, a gente passa despercebido por lugares de atração e pacote completo. Por vezes, acabamos perdendo muita coisa, por conta dessa nossa preguiça disfarçada de humor blasé. Ia ser assim, esse dia, até a gente descobrir que dava para conhecer esse parque lindo, por nossa conta, com mais tranquilidade, dentro do nosso tempo, devagar, atrasado e lento. Tendo o Carlitos do lado - um luxo, de asador a guia, num passe de mágica. Caminhada boa, muito papo furado e fotos a perder de vista. O céu abriu um azul lindo. Pude testemunhar um dos lugares mais espetaculares que já vi: o Glaciar Perito Moreno em sua Lagoa Argentina.

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Lá pelo terceiro dia, fomos em direção a El Chaitén. Guanacos e avestruzes na beira da estrada, numa paisagem árida e seca pelo frio cortante. Rios e lagos de água azul e gelada, curvando-se nos limites de altas montanhas, rochas e glaciares. Flores violetas de cardo tão perfumadas e delicadas que te fazem quase esquecer da força violenta do vento que uiva e machuca.

Foi por lá que nos aventuramos pela trilha mortal e faltou pouco para o resgate ir buscar a gente de helicóptero. Foi de morrer. Não, não é figura de linguagem para falar que era demasiado bonito (sim, era), é que a gente quase morreu mesmo de tanto caminhar. Acho que só sobrevivemos, porque no final, a gente dava tanta risada da nossa própria desgraça, das dores e bolhas nos pés, da falta de noção em caminhar 20km por um terreno acidentado, de pedras, subidas e descidas intermináveis, quando a única maratona que estamos acostumados é a do Netflix, no sofá de casa. Sabe aquela sensação de estar bêbados de sono e cansaço e te dá ataque de riso feito bestas? Era a gente, só que era de dor mesmo, rindo da gente mesmo.

Carlitos, que foi quem nos convenceu a aceitar tal façanha masoquista esportista insana, só foi poupado da nossa ira, porque nos esperava com uma truta na brasa, pescada por ele. Só não estava tão boa, quanto a história que contou de como a pescou. Dá vontade de rir só de lembrar.

A sensação é de que viajei por uma Argentina diferente da que eu levava na memória de dois anos atrás, tanto pelo nosso percorrido, quanto pelo próprio país, transmutante como sua peculiar política. De cachecol e muito abrigo, este com certeza foi um verão inesquecível na Patagônia.

Nos últimos dois dias, retornamos à BsAires, e nos hospedamos num aconchegante hotel em Palermo. Passeamos pelos seus cafés; un cortado com tostadas e medialunas, por favor. Bairros de arquitetura francesa contemporânea de portas e janelas antigas. Vitrines com letreiros e toldos vintages e modernos em cafés, restaurantes e lojas espalhadas pelos bairros porteños. Vários idosos, passeando pelas calçadas e ruas adornadas com seus característicos e belos jacarandás. Poderia ser clichê se não fosse tão autêntico em Buenos Aires, capital.

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Gracias Argentina, querida! Te quiero mucho.