A vida na Serra da Mantiqueira
Na casinha nova.
Acordo às 9h. É domingo. Olho pela fresta da cortina na janela. Um verde incrivelmente abundante inunda de atravessar meus olhos. É domingo. Decido voltar a dormir, pois os sons matinais da Serra, aqui no mato, parecem canção de ninar, entre os lençóis e travesseiros. Quando descrevo essa forma a vida aqui, mais parece um conto de fadas. E não está muito longe disso, confesso.
Afinal, acordar com os passarinhos não é nada mal, dormir com o barulho do rio tampouco. Essa vida ainda, no entanto, infelizmente é transitória, ainda estou/estamos em fechamento de diversas histórias na cidade grande, e há tantas pendências que necessitam de decisões a serem tomadas, que qualquer resquício do paraíso, se dissipa quando volto a respirar o ar de São Paulo.
A vida no mato é outra. O tempo passa mais devagar. As texturas são mais duras e mais orgânicas. Cal, cimento queimado, tijolo à vista. Porteiras de madeira. Chaleiras de ferro. Insetos por todos os cantos. Medo de aranha ou de qualquer outro bicho cheio de patas, antenas ou asas, some no segundo dia, limpando os cantos da casa. E isso é uma coisa que nunca tem fim: limpar e cuidar da casa. Ficar ocupada o dia todo, com os afazeres do lar.
Eu nasci e cresci na cidade, nunca saí de São Paulo. Mas passava minhas férias no sítio do meu avô, brincando na horta, na despensa de comida, pescando na represa ao lado, comendo milho cozido à tardezinha, sentada na rede. À noite, meus tios esquentavam a água para o banho, jogando lenha no forno, para esquentar a caldeira. A gente ficava no escuro, escutando a lenha estalar e queimar, sentindo o cheiro da madeira tomar a noite. Nunca pensei que esses sentidos tivessem ficado tão gravados na minha memória, num desejo tão grande de viver no mato. Cada passo que dou para dentro de casa (da nova casa), eu sei que estou em casa.
Quando me sento para contemplar a cachoeira e sua grandeza, reconheço um pedaço de mim nela. Eu não sou capaz ainda de acreditar que estou realmente de mudança para o mato, que minha vida vai ser em tese, aquela que eu sempre sonhei. Diferente do Chico, não vendo e nem troco por nada nesse mundo, esse pequeno paraíso no meio da Serra da Mantiqueira.
Uma fazenda
Com casarão
Imensa varanda
Dá gerimum
Dá muito mamão
Pé de jacarandá
Eu posso vender
Quanto você dá?
Algum mosquito
Chapéu de sol
Bastante água fresca
Tem surubim
Tem isca pra anzol
Mas nem tem que pescar
Eu posso vender
Quanto quer pagar?
O que eu tenho
Eu devo a Deus
Meu chão, meu céu, meu mar
Os olhos do meu bem
E os filhos meus
Se alguém pensa que vai levar
Eu posso vender
Quanto vai pagar?
Os diamantes rolam no chão
O ouro é poeira
Muita mulher pra passar sabão
Papoula pra cheirar
Eu posso vender
Quando vai pagar?
Negros quimbundos
Pra variar
Diversos açoites
Doces lundus
Pra nhonhô sonhar
À sombra dos oitis
Eu posso vender
Que é que você diz?
Sou feliz
E devo a Deus
Meu éden tropical
Orgulho dos meus pais
E dos filhos meus
Ninguém me tira nem por mal
Mas posso vender
Deixe algum sinal
- Bancarrota Blues, Chico Buarque
Algumas das fotos são da casa do Charitro e da Nidge, em Rio Acima, Itamonte. Outras, de Matutu, Airuoca. As da cachoeira e algumas outras são da casa nova, em Campo Redondo. Todas elas na Serra da Mantiqueira, MG.
Itamonte: ladeira, truta, queijo e cachoeira
Escrevo este post meio atrasado para contar do final de semana em Itamonte | MG… Uma cidadezinha bem pacata à 280km de São Paulo, entre montanhas, curvas e ladeiras, nutrida de trutas, queijos e mel…
Desde que estou casada com Gabriel, este é um dos meus passeios favoritos. Nos hospedamos na casa/pousada de uns amigos que está rodeada por mato, cachoeira e muito bom gosto… Para se ter uma idéia, o chalé em que nos hospedamos fica ao lado de um rio, ou seja, dormir com o barulhinho da água faz meio que uma limpeza nos pensamentos enquanto a gente sonha…
O lugar conta também com um bistrô, mas em determinados finais de semana, o movimento cai para zero… então, até o bistrô fica totalmente exclusivo para a gente… E os pratos, geralmente, são alguma novidade a ser testada pelos anfitriões!… O cardápio inclui patês, molhos, ervas, queijos, vinhos e, é claro, muita truta… Que difícil!…
Como eu estava muito precisando desacelerar e me isolar do frenesi paulistano, passar 3 dias nesse paraíso foi realmente a cura que minha alma estava precisando.
Além disso, esse lugar (meio mágico, cheio de sannyasins) foi um ponto de inspiração para mim… Há 5 anos, eu mudava totalmente o rumo da minha vida por ter conhecido quem um dia morou aqui… Mas a história da Manu fica para outro dia ☮ ☮ ☮
Fotos: Dona da Casa!